O amor humano autêntico é uma entrega total da própria pessoa: alma, coração,
corpo, toda a própria vida, presente e futuro. Quando duas pessoas se amam,
sabem que vão compartilhar toda a sua vida. O casal é isto: um com uma para
sempre, em tudo, para terminar nos filhos. Já não são dois, mas uma só carne
e uma só vida. Antes eram duas vidas independentes que, de vez em quando, coincidiam.
Agora estão intimamente ligados, a vida de um é inseparável da do outro. Até
nas coisas mais concretas.
Por exemplo, se os projectos profissionais de um numa cidade são incompatíveis
com a alergia que o outro sente naquele lugar, como os dois são agora uma só
carne, a alergia de um afecta a vida do outro. De facto, o outro sente-a como
se fosse própria, ou mais ainda, e sofre. Mas a realidade do amor matrimonial
faz que, ou os dois se aguentam, ou os dois saem dali. Porque os projectos profissionais
são importantes, mas secundários em relação à grandeza do amor.
Por ser um amor total, o amor entre homem e mulher não pode ser senão de
um com uma e para sempre. Porque supõe também a adaptação das duas personalidades,
das maneiras de ser e gostos de cada um, que procuram evitar o que prejudique
ou desgoste o outro, reconhecendo agradecidos que o outro está a fazer o mesmo
para que a vida seja agradável e o amor vá aumentando sem encontrar obstáculos.
Desta maneira, as personalidades dos dois cônjuges vão-se influenciando e penetrando
mutuamente. A vida de um constitui uma parte real da vida do outro. Romper essa
união significaria mutilar a vida interior de cada um dos cônjuges e suporia
o fracasso rotundo na aventura pessoal mais profunda que pode empreender um
ser humano.
Se uma pessoa diz a outra que a ama, a mesma linguagem supõe a expressão
"para sempre". Não tem sentido dizer: - Amo-te, mas provavelmente
só durará uns meses, ou uns anos, desde que continues a ser simpática e agradável,
ou eu não encontre outra melhor, ou não fiques feia com a idade. Um "amo-te"
que implica "só por algum tempo" não é um amor verdadeiro. É antes
um "gosto de ti, agradas-me , sinto-me bem contigo, mas de modo algum estou
disposto a entregar-me inteiramente, nem a entregar-te a minha vida".
Por a pessoa ser corpo e espírito, o seu amor realiza-se com o tempo, mas
é, em si mesmo, para sempre. Ou uma pessoa se entrega para sempre ou não se
entregou a si próprio. E, se se entregou, já não se possui a si mesmo em propriedade
exclusiva, pois deu o coração e o corpo a outra, que, por sua vez, lhos deu
a ele.
No amor conjugal, a intervenção do corpo dá um carácter irreversível à relação
de entrega. Com efeito, quando uma pessoa entrega o corpo, é porque se entrega
a si própria em plenitude. Mas quando uma pessoa entrega de verdade a alma,
tem de ter em conta que implica a totalidade da vida.
Entregar-se "inteiro" é entregar "a vida inteira". Se
não, é que não se entregou.
A entrega do corpo é a expressão dessa entrega total da pessoa. Porque o
meu corpo sou eu, não é uma coisa externa, um agasalho ou uma máquina que eu
uso, mas sou eu próprio. Precisamente por isso, o amor conjugal autêntico inclui,
por si, o "até que a morte nos separe". O matrimónio é entregar-se
para sempre; entregar o corpo sem se entregar para sempre seria prostituição,
a utilização da própria intimidade como objecto de troca: dar o corpo em troca
de algo (ainda que esse algo seja o enamoramento), sem ter entregado a vida.